O que podemos aprender com a construtech que foi de um inovador unicórnio ao colapso financeiro?
Nos últimos anos, a Veev emergiu como uma das startups mais promissoras no setor de tecnologia de construção, ganhando destaque por suas inovações em construção modular e atraindo mais de US$ 600 milhões em investimentos.
No entanto, apesar do sucesso inicial e do entusiasmo dos investidores, a empresa enfrentou uma queda abrupta que culminou em sua liquidação.
Este artigo explora a trajetória da Veev, desde sua origem e inovações de produto até os fatores que contribuíram para seu fracasso, oferecendo lições valiosas para empreendedores e investidores no ambiente de construção modular offsite.
A Veev, inicialmente chamada de Dragonfly Group, foi fundada em 2008 por Amit Haller e Ami Avrahami. Os fundadores tinham uma visão inovadora para revolucionar a indústria da construção de casas, utilizando tecnologias avançadas e métodos de pré-fabricação.
A sede da Veev estava localizada em Hayward, Califórnia, Estados Unidos. Mas seu centro de pesquisa e desenvolvimento (P&D) foi montado em Tel Aviv, Israel. Ela se destacou desde o início por sua abordagem única, que combinava experiência em tecnologia com um profundo entendimento do mercado imobiliário.
A inspiração para criar a Veev veio das experiências anteriores de Amit Haller no setor de semicondutores. Haller e sua equipe aplicaram princípios de fabricação e eficiência da indústria de semicondutores à construção civil, resultando em métodos mais rápidos e precisos de construir casas.
A empresa desenvolveu o sistema Closed Wall, que integra componentes essenciais como encanamento, eletricidade e HVAC diretamente nas paredes pré-fabricadas, permitindo uma montagem rápida e reduzindo custos e tempo de construção.
Com isso, a Veev consegue reduzir o tempo e os custos de construção, ao mesmo tempo em que aumenta a precisão e a qualidade das obras.
Além disso, todas as casas Veev vêm equipadas com um sistema completo de automação residencial integrado, permitindo que os moradores controlem iluminação, temperatura, segurança e outros aspectos da casa via um aplicativo móvel.
Este sistema de automação não apenas melhora a conveniência e o conforto dos moradores, mas também aumenta a eficiência energética das residências, contribuindo para uma pegada de carbono reduzida.
Em 2019, o passo seguinte foi eliminar a madeira de suas construções, substituindo-a por estruturas de aço. Essa mudança foi motivada pela necessidade de construir casas mais rapidamente e a um custo menor, além da escassez de madeira gerada pela pandemia.
Entre esses materiais, destaca-se; o aço leve (Light-Gauge Steel), que substitui a madeira tradicional na estrutura, oferecendo maior durabilidade e resistência a pragas e incêndios; superfícies de alta performance (HPS) em paredes internas e móveis, que são duráveis, resistentes a germes e podem imitar texturas como madeira e pedra, e; espuma de célula fechada para isolamento, que oferece melhor desempenho térmico e acústico.
Neste movimento, a Veev também integrou os sistemas digitais em suas paredes, permitindo controle eficiente das operações da casa através de painéis de toque, além dos aplicativos móveis. Por fim, a produção interna de janelas e portas contribuiu para o controle da qualidade e eficiência energética das casas.
Outra inovação da Veev foi a abordagem offsite na construção de casas. Grande parte das casas eram produzidas em suas fábricas, incluindo paredes e telhados completamente acabados, que eram depois transportados e montados rapidamente no local de construção.
A Veev atraiu atenção significativa tanto do mercado quanto dos investidores, refletindo em números impressionantes ao longo de sua trajetória.
Desde sua fundação, a empresa conseguiu levantar um total de $600 milhões em investimentos. A última, em 2022, foi uma rodada de financiamento Série D de $400 milhões, liderada pela BOND, e que elevou seu valor de mercado para mais de $1 bilhão, transformando-a em um unicórnio no setor de tecnologia imobiliária.
Embora fundada em 2009, a empresa só foi obter acesso a investimento relevante a partir de 2020 com a alta disponibilidade de capital trazida pelo contexto da pandemia.
Um de seus investidores foi a Lennar, uma das maiores construtoras residenciais do mundo. Na época, “Jon Jaffe, co-CEO da Lennar, previu que entre 30% e 50% das casas seriam construídas de maneira offsite nos próximos cinco anos, graças a inovações como as da Veev.”
Esses investimentos permitiram à empresa expandir suas operações e continuar inovando em seus métodos de construção.
Em termos de produção, a Veev construiu aproximadamente 170 casas usando suas tecnologias avançadas até 2023. A empresa chegou a empregar cerca de 500 funcionários em suas operações de construção e fabricação.
Além disso, a Veev tinha planos ambiciosos de aumentar sua capacidade de entrega para milhares de unidades anuais, visando atender à crescente demanda por moradias sustentáveis e de alta qualidade.
No entanto, apesar desses números promissores e da grande quantidade de investimentos recebidos, a Veev enfrentou desafios financeiros e operacionais significativos que levaram à sua liquidação em 2023.
A crise da Veev começou a se manifestar em 2022, quando a empresa enfrentou dificuldades para acessar os fundos prometidos na rodada de financiamento Série D. Nesse ano, os mercados viram a liquidez geral ser reduzida com os aumentos de taxas e juros globais.
Embora a empresa tenha anunciado a captação de $400 milhões, conseguiu levantar apenas $200 milhões, o que prejudicou severamente seus planos de expansão e sustentabilidade financeira
Essa insuficiência de capital afetou a capacidade da Veev de manter suas operações e cumprir suas metas de produção, gerando instabilidade financeira.
A situação financeira da Veev se deteriorou ao longo de 2023, à medida que a empresa também enfrentava mudanças significativas no mercado imobiliário. A demanda por construções de edifícios altos diminuiu, enquanto a preferência por casas unifamiliares aumentou nos Estados Unidos. Essa mudança na demanda impactou negativamente a estratégia de mercado da Veev, que estava mais focada em projetos de grande escala.
Além disso, problemas internos de gestão e conflitos entre os fundadores e a equipe de liderança contribuíram para a perda de foco operacional e decisões estratégicas inadequadas.
Em novembro de 2023, a situação tornou-se insustentável e a Veev entrou em processo de liquidação. Na época, a Lennar, um dos maiores investidores da empresa, propôs financiar as atividades atuais da Veev como parte do processo de liquidação, buscando preservar alguns dos ativos e tecnologias desenvolvidos pela empresa.
A liquidação marcou o fim de uma startup que uma vez foi vista como uma promissora disruptora no setor de tecnologia imobiliária, destacando que os desafios de gestão financeira e adaptação ao mercado são cruciais para a sustentabilidade de empresas emergentes
A trajetória da Veev mostra alguns sinais de caminhos que empreendedores da tese de construção modular devem evitar. Vou destacar alguns dos principais aprendizados:
É muito raro conseguir montar um negócio baseado em um produto de alta tecnologia, sem ter que se preocupar com a geração de receita. A Veev pôde acessar capital em um momento único de liquidez, mas a mudança das condições do mercado, antes da empresa estar faturando, fez ela quebrar no meio do caminho. O melhor dinheiro é sempre o do cliente - depender do mercado de capitais para sobreviver raramente funciona.
O curto período de sucesso da Veev só foi possível pela relação que construiu com a Lennar - isso habilitou projetos, acesso a capital e expertise. Por outro lado, podem ter norteado toda sua estratégia para atender ao que o novo sócio queria e não necessariamente ao que o mercado precisava.
Raramente em uma estratégia de negócio o produto é quem define o sucesso da companhia. A empresa gastou milhões buscando chegar no melhor produto e sistema construtivo, ao invés de se preocupar em garantir o domínio da geração de demanda e geração de resultado.
Todos agimos viesados por crenças que adquirimos ao longo da vida. Os fundadores da Veev tiveram uma trajetória de sucesso na indústria de semicondutores, naturalmente trouxeram em sua bagagem os aprendizados e crenças de como poderiam ganhar o jogo na construção industrializada, mas podem não ter conseguido tomar as melhores decisões no novo contexto que se colocaram. Em geral, nossas maiores fortalezas são também nossas maiores fraquezas.
É sempre um risco depender do convencimento dos desenvolvedores imobiliários para colocar sua tecnologia no mercado. Modelo que não tem o controle da geração de demanda têm maior desafio em ganhar escala e conseguir usufruir dos benefícios destes ganhos na industrialização da construção.
A busca por querer ter total controle do processo produtivo leva muitas empresas a escolher verticalizar o negócio. Mas isso aumenta a necessidade de capital, a complexidade da gestão e nem sempre entrega os esperados ganhos de eficiência. É necessário entender qual o momento adequado de fazer um movimento estratégico como esse.
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